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Indicações de vasopressina no choque séptico: quando iniciar e como conduzir na prática da emergência

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Dr. Josué Vieira

Médico Nefrologista, com 10 anos de atuação em emergência e UTI

CRM-MS: 14123
RQE: 8359 (Clínica Médica)
RQE: 8519 (Nefrologia)

RESUMO

Quando discutimos o choque séptico, precisamos ter em mente que não estamos falando apenas de uma queda de pressão arterial. O problema é mais profundo. Trata-se de um choque distributivo, no qual o defeito central está na queda da resistência vascular sistêmica. Essa falha altera a lógica do transporte de oxigênio: a oferta (DO₂) despenca, a relação entre oferta e consumo (DO₂/VO₂) se desequilibra e, no fim das contas, o tecido não consegue extrair oxigênio de forma eficiente. O resultado é hipóxia celular, que empurra a célula para o metabolismo anaeróbio, gera acidose, lesão celular, disfunção orgânica progressiva e, se nada é feito, culmina em falência múltipla de órgãos.

Essa é a base fisiopatológica que nos ajuda a compreender quando a vasopressina deve ser indicada no choque séptico. Mas antes de mergulhar nela, vamos revisitar a sequência lógica do tratamento inicial.

Vasopressores e sua ação em diferentes receptores da musculatura lisa vascular Essa atuação em diferentes receptores é o cerne da terapia vasopressora multimodal no choque séptico refratário

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Primeiros passos no choque séptico: antes de falar em vasopressina

A conduta inicial no choque séptico passa, obrigatoriamente, por três pilares: ressuscitação volêmica, antibiótico precoce e vasopressor em caso de instabilidade persistente.

A ressuscitação deve ser feita com cristaloides isotônicos, sempre de forma individualizada. O lactato arterial precisa ser dosado já na primeira hora e reavaliado em série, porque serve como marcador da efetividade da reposição volêmica. Simultaneamente, coletamos duas hemoculturas e administramos antibiótico empírico de amplo espectro, adequado ao provável foco da infecção.

Se, mesmo após volume adequado, o paciente apresenta PAM < 65 mmHg ou lactato > 2 mmol/L, entra em cena o vasopressor de primeira linha: a norepinefrina.

O papel da norepinefrina e suas limitações

A norepinefrina é a droga de escolha inicial porque atua predominantemente em receptores alfa-1, causando vasoconstrição periférica e aumento da resistência vascular sistêmica, sem grande impacto sobre frequência ou contratilidade cardíaca, mas com importante aumento da pós carga.

Na prática, titulamos a norepinefrina de acordo com a resposta, variando de 0,1 até 2 µg/kg/min em alguns casos. Mas nem sempre esse aumento progressivo é inocente. Muitos pacientes passam a depender de doses altas de norepinefrina, o que pode trazer complicações: vasoconstrição periférica excessiva, comprometimento da perfusão tecidual e risco de isquemia em extremidades.

Norepinefrina o vasopressor de primeira escolha no paciente com choque séptico

É nesse cenário que surge a pergunta: vale a pena continuar apenas aumentando a norepinefrina indefinidamente? Ou podemos recorrer a uma estratégia multimodal, atuando em receptores diferentes para alcançar a estabilidade com menos efeitos colaterais?

Terapia vasopressora multimodal: por que pensar em vasopressina?

A ideia da terapia vasopressora multimodal é simples e poderosa: em vez de insistir só nas catecolaminas, que atuam em receptores adrenérgicos, utilizamos drogas que ativam mecanismos distintos de vasoconstrição. Isso não apenas poupa catecolamina, como também pode trazer efeitos adicionais benéficos.

Terapia vasopressora multimodal consiste no uso de drogas vasoconstritoras com ação em diferentes receptores da musculatura lisa vascular periférica resultando em efeito poupador de catecolaminas e possível efeito benéfico na redução de seus colaterais

Foi nesse contexto que várias drogas foram estudadas: angiotensina II, azul de metileno e, principalmente, a vasopressina. Esta última ganhou relevância porque sabemos que pacientes sépticos frequentemente apresentam uma deficiência relativa de vasopressina endógena. Logo, a administração exógena faz sentido fisiopatológico.

Indicações de vasopressina no choque séptico: quando associar?

A grande questão é: quando começar vasopressina no choque séptico?

Segundo a Surviving Sepsis Campaign 2021, a recomendação é associar vasopressina quando a dose de norepinefrina atingir entre 0,25 e 0,5 µg/kg/min. Isso representa uma mudança prática importante, pois no passado se deixava a vasopressina apenas para os casos refratários, em doses altíssimas de norepinefrina. Hoje, busca-se um início mais precoce, poupando catecolaminas.

É preciso reconhecer que essa recomendação tem força fraca e baseia-se em evidência de qualidade moderada. Mas, na beira do leito, faz diferença: não esperar o paciente colapsar para só então pensar na vasopressina pode reduzir complicações e tornar o choque mais manejável.

Como usar a vasopressina na prática

Aqui está a parte que realmente interessa no dia a dia da emergência: como prescrever a vasopressina de forma correta e segura.

Apresentação da vasopressina em ampolas de 20 Uml volume total de 1 ml habitualmente usamos uma solução de vasopressina de 02 Uml que equivale a diluir 01 amp em 99 ml de solução fisiológica

A droga é fornecida em ampolas de 20 unidades em 1 mL. O preparo usual é diluir em 100 mL de solução fisiológica, obtendo-se uma solução de 0,2 U/mL.

As doses são fixas e independentes do peso corporal: utilizamos entre 0,01 e 0,04 U/min. Convertendo para a bomba de infusão, isso equivale a um fluxo entre 3 e 12 mL/h.

É fundamental respeitar o teto de 0,04 U/min, porque acima disso o risco de isquemia mesentérica, necrose de extremidades e hipoperfusão crítica aumenta de forma significativa. Além disso, devemos considerar seus possíveis efeitos na redução da perfusão coronariana ou aumento importante da pós carga com queda do débito cardíaco.

Outro detalhe prático: a meia-vida da vasopressina é de 10 a 15 minutos. Isso significa que, ao ajustar a dose, devemos aguardar pelo menos 15 minutos para avaliar o efeito sobre a PAM. É diferente da norepinefrina, cujo efeito aparece em 1 a 2 minutos. Essa paciência é especialmente importante no desmame da droga, em que reduzimos progressivamente de 0,01 em 0,01 U/min, sempre esperando 15 a 20 minutos antes de decidir o próximo passo.

Benefícios potenciais e riscos da vasopressina

O principal benefício da vasopressina é o efeito poupador de catecolaminas. Ela permite reduzir a dose de norepinefrina necessária para manter a pressão arterial alvo, o que por si só já é valioso.

Outro ponto é que, em acidose metabólica grave, a norepinefrina e a adrenalina perdem parte do efeito vasoconstritor, porque os receptores alfa-1 ficam menos responsivos. Nesse cenário, a vasopressina mantém sua eficácia, tornando-se uma alternativa interessante.

Em relação ao rim, há indícios de que a droga pode aumentar a taxa de filtração glomerular, já que promove vasoconstrição preferencial nas arteríolas eferentes. Alguns estudos sugerem até um papel na redução da lesão renal aguda e da necessidade de diálise, embora isso ainda seja controverso.

Por outro lado, não podemos esquecer dos riscos. A vasopressina pode reduzir débito cardíaco em pacientes com disfunção sistólica, pelo aumento da pós-carga. Além disso, há o risco de isquemia coronariana e de extremidades, especialmente em doses mais altas.

A vasopressina é contraindicada em pacientes com choque séptico que apresentam disfunção sistólica moderada a grave Nesse cenário o vasoativo adjuvante de segunda escolha é a dobutamina na dose de 2 20 mcgkgmin

Evidências científicas: o que mostram os estudos

O estudo mais famoso é o VASST (Vasopressin And Septic Shock Trial). Ele comparou doses baixas de vasopressina (0,01 a 0,03 U/min) com norepinefrina e não encontrou diferença em mortalidade global em 28 dias. No entanto, em uma análise de subgrupos, observou-se que pacientes com choque menos grave tiveram menor mortalidade com vasopressina, sugerindo um possível benefício no uso precoce.

Outra análise interessante foi a interação com corticoides: pacientes que receberam vasopressina + corticoide apresentaram menor mortalidade do que os tratados apenas com norepinefrina. Já aqueles que não receberam corticoide tiveram resultados piores. Isso levantou a hipótese de um efeito sinérgico entre vasopressina e hidrocortisona, embora não seja consenso.

A Surviving Sepsis Campaign recomenda iniciar hidrocortisona quando a dose de norepinefrina estiver entre 025 e 05 mcgkgmin exatamente o mesmo intervalo sugerido para a introdução da vasopressina ressaltando o possível efeito sinérgico dessa associação

O VANISH trial também avaliou essa combinação, mas não conseguiu demonstrar redução significativa de mortalidade. Mostrou, no entanto, que a vasopressina foi capaz de reduzir a necessidade de norepinefrina e de terapia de substituição renal em alguns pacientes.

Conclusão prática: como pensar na vasopressina beira-leito

Quando você estiver de frente para um paciente com choque séptico, pense na seguinte lógica:

  • Primeiro, volume, lactato, antibiótico, hemoculturas.
  • Se precisar de vasopressor, comece com norepinefrina.
  • Se a dose da norepinefrina começar a subir e chegar em torno de 0,25 a 0,5 µg/kg/min, considere a associação de vasopressina e hidrocortisona (50 mg EV 6/6h).
  • Lembre-se: doses fixas, entre 0,01 e 0,04 U/min, respeitando o teto de segurança.
  • Use em pacientes com função sistólica preservada. Nos que têm disfunção importante, prefira dobutamina como segunda droga.
  • Tenha paciência na titulação e no desmame: ajuste em passos pequenos e espere o tempo de meia-vida.

O benefício principal é poupar catecolaminas, mas em alguns subgrupos pode haver vantagem em mortalidade ou função renal. E mesmo que o impacto final ainda seja debatido, já sabemos que a droga é segura quando usada corretamente e pode fazer diferença na condução de casos complexos.

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