Aprender ventilação mecânica é, talvez, uma das experiências mais marcantes da formação médica. É o momento em que o aluno, o residente ou mesmo o jovem intensivista ou emergencista, se depara com a interseção entre a fisiologia, a tecnologia e a vida. De um lado, um corpo humano frágil, cansado, incapaz de sustentar sozinho o ato de respirar. Do outro, um equipamento complexo, cheio de curvas, botões e siglas que parecem falar uma língua própria. E no meio desse diálogo silencioso entre o pulmão e a máquina, está o médico, o tradutor, a peça essencial para que o suporte seja salvação e não mais dano a quem já não tolera mais nenhum.
Mas para traduzir, é preciso compreender. E compreender ventilação mecânica não começa pelo ventilador, começa pelo paciente, pelo entendimento da fisiologia da respiração.
Antes de programar volumes, pressões, fluxos ou tempos, é fundamental entender o que é um ciclo respiratório. Porque, no fundo, o ventilador nada mais faz do que imitar, de maneira controlada e previsível, aquilo que o corpo humano já faz espontaneamente todos os dias, desde o nascimento.

O ventilador mecânico não é nenhum “monstro de 7 cabeças”, nada mais é do que um gerador de fluxo, um equipamento que dá suporte a uma das várias disfunções orgânicas do doente crítico, a disfunção ventilatória e respiratória.
VEJA MAIS:
• Indicações de vasopressina no choque séptico: quando iniciar e como conduzir na prática da emergência
• Ventilação Não Invasiva (VNI): quando funciona, quando falha e quando está contraindicada
• Metas de oxigenação em pacientes críticos: por que “quanto mais, melhor” é um mito
• Torsades de Pointes: causas, diagnóstico e tratamento da arritmia do QT longo
• Intubação orotraqueal passo a passo: como fazer na prática real da emergência
• Glasgow ≤ 8 é igual a Intubação? Nem Sempre.
Por que entender o ciclo respiratório é o primeiro passo para dominar os modos ventilatórios básicos
Quando falamos em ventilação mecânica, muita gente começa tentando decorar siglas, VCV, PCV, PSV, SIMV, ou se perde em gráficos de pressão e fluxo. Mas tudo isso perde o sentido se não entendermos o que realmente está acontecendo dentro do tórax e em cada alvéolo a cada movimento respiratório.
Um ciclo respiratório é o conjunto completo de eventos que acontecem entre o início de uma inspiração e o início da próxima. E ele é composto por quatro fases bem distintas, que se repetem milhares de vezes ao longo do dia.
Essas fases são:
- O disparo (trigger): o momento em que a inspiração começa;
- A fase inspiratória (ou insuflação pulmonar): quando o ar entra nos pulmões;
- A ciclagem: o ponto de transição entre a inspiração e a expiração;
- A fase expiratória: o esvaziamento pulmonar passivo e o tempo até o início de um novo ciclo.
Parece simples, não é? Mas dentro de cada uma dessas fases há uma série de fenômenos fisiológicos que explicam por que respiramos da forma como respiramos. E, mais importante ainda, é nelas que o ventilador vai agir, substituindo, ajudando ou limitando algumas dessas etapas conforme o modo ventilatório escolhido e a configuração feita pelo operador.

Quem foi que DICE que entender o ciclo respiratório é difícil? Basta lembrar do D.I.C.E.: D de Disparo — o início da inspiração; I de Inspiração — a insuflação do ar; C de Ciclagem — o fim da fase inspiratória e o início da expiração; e E de Expiração — a saída do ar e o tempo até o início da próxima inspiração.
O disparo: o ponto de partida da inspiração
Vamos começar pela primeira fase: o disparo.
Na respiração espontânea, o disparo ocorre quando o centro respiratório, localizado no bulbo e na ponte, envia um estímulo neural para a musculatura inspiratória, especialmente o diafragma e os músculos intercostais externos. Ao contrair, o diafragma desce e aumenta o volume da cavidade torácica.
E o que acontece quando o volume aumenta? Pela lei de Boyle, a pressão dentro dos pulmões diminui. A pressão alveolar (Palv) cai ligeiramente abaixo da pressão da via aérea (Pva), criando um gradiente de pressão negativo. É esse pequeno diferencial que faz o ar fluir do ambiente externo (pressão zero, por convenção) para dentro dos alvéolos.
Essa fase é o início da inspiração. É o disparo do ciclo, o “start” natural da respiração.
No ventilador, o mesmo fenômeno precisa ser reproduzido. Por isso, os ventiladores têm mecanismos de trigger, que podem ser controlados (quando o ventilador dispara sozinho após um tempo determinado) ou assistidos (quando o ventilador detecta o esforço do paciente para inspirar e responde).
Essa distinção, quem dispara o ciclo, ventilador ou paciente, é o primeiro passo para entender a diferença entre ciclos controlados e assistidos, conceito que voltaremos a explorar quando falarmos dos modos ventilatórios básicos.

O ventilador mecânico atua como um gerador de fluxo que, ao abrir a válvula inspiratória (disparo), inicia a fase de insuflação pulmonar. O ar vence as resistências das vias aéreas e as forças elásticas dos pulmões e da caixa torácica, gerando pressões resistivas e elásticas dentro do sistema respiratório.
A fase inspiratória: insuflação pulmonar e fluxo aéreo
Depois do disparo, vem a segunda fase: a fase inspiratória, ou fase de insuflação pulmonar. É o período em que o ar flui em direção aos pulmões, vencendo a resistência das vias aéreas e as forças elásticas do sistema respiratório.
O ar entra porque existe uma diferença de pressão entre a via aérea proximal (nariz, boca, traqueia) e os alvéolos. Quanto maior essa diferença, maior o fluxo de ar.
O formato e a intensidade desse fluxo inspiratório variam conforme o esforço muscular e a resistência das vias aéreas. Se o paciente faz uma inspiração forte, o fluxo é alto e o volume corrente aumenta rapidamente. Se o esforço é fraco, o fluxo é menor, e o volume corrente, reduzido. Quando o paciente está sob ventilação mecânica esse fluxo é determinado pela interação entre a pressão configurada, a velocidade de subida dessa pressão (rise time) ou mesmo pelo fluxo inspiratório configurado (como no modo VCV) e a resistência das vias aéreas e complacência do sistema respiratório do paciente.
Matematicamente, o volume corrente (VC) pode ser descrito como o produto do fluxo pelo tempo inspiratório. Ou seja, VC = fluxo × tempo.
À medida que os alvéolos se enchem de ar, eles se distendem, e o tecido pulmonar gera uma pressão elástica de recuo. Essa pressão elástica cresce de forma proporcional ao volume corrente inspirado e inversamente proporcional à complacência pulmonar (Cst).
Com o tempo, a pressão alveolar (que começou negativa) vai subindo progressivamente até se igualar à pressão da via aérea. Esse é o ponto em que o fluxo cessa, o fim da inspiração.

A resistência das vias aéreas é calculada pela diferença entre a pressão de pico e a pressão de platô, dividida pelo fluxo (R = [Ppico − Pplatô] / fluxo), com valor normal em torno de 10 cmH₂O/L/s. Já a complacência do sistema respiratório expressa a elasticidade pulmonar (C = VC / [Pplatô − PEEP]): quanto menor a complacência, mais rígido é o pulmão; quanto maior, mais facilmente ele se distende.
A ciclagem: a passagem da inspiração para a expiração
Quando a pressão alveolar se iguala ou supera a pressão da via aérea, o ar para de entrar. Esse é o momento de transição, conhecido como ciclagem.
No ciclo fisiológico, a ciclagem ocorre naturalmente, de forma passiva, com o relaxamento dos músculos inspiratórios. Mas, na ventilação mecânica, ela pode ser determinada por diferentes variáveis, dependendo do modo ventilatório:
- Pode ser a tempo (como no modo pressão controlada, PCV);
- Pode ser a volume (como no modo volume controlado, VCV);
- Ou pode ser a fluxo (como no modo pressão de suporte, PSV).
Essa é uma das ideias centrais da ventilação mecânica: quem define o fim da inspiração e o início da expiração é o critério de ciclagem, e ele muda conforme o modo escolhido.
A expiração: o retorno elástico do sistema respiratório
Após a ciclagem, vem a fase expiratória, que, no ciclo fisiológico, é predominantemente passiva. Com o relaxamento da musculatura inspiratória, a pressão alveolar torna-se maior do que a pressão da via aérea. O ar, então, flui naturalmente de dentro para fora dos pulmões, é a expiração. Esse fluxo expiratório é negativo (por convenção nos gráficos de ventilação), e o ar é expelido até que a pressão alveolar se iguale novamente à pressão atmosférica.
O tempo necessário para que isso ocorra depende da constante de tempo do sistema respiratório, que é o produto da resistência das vias aéreas (Raw) pela complacência (Cst). Se a resistência é alta, como em casos de broncoespasmo, o esvaziamento é mais lento. Se a complacência é baixa, como na fibrose pulmonar, o tempo para o volume ser exalado é menor.
Essa variabilidade explica por que, na ventilação mecânica, precisamos ajustar o tempo expiratório de acordo com a mecânica do paciente.
Da fisiologia ao ventilador: quando a máquina assume o controle
Agora que você já entendeu o ciclo fisiológico, pense: o que o ventilador faz?
Ele basicamente substitui, parcial ou totalmente, o papel dos músculos inspiratórios e do controle neural da respiração. Ele gera fluxo, pressão e volume conforme parâmetros programados, controlando as quatro fases do ciclo.
E é justamente a maneira como o ventilador controla essas fases que define o modo ventilatório.
Um modo ventilatório básico é, portanto, o conjunto de regras que o ventilador segue para determinar:
- Quem dispara o ciclo (paciente ou ventilador);
- Quem cicla o ciclo (quem decide o fim da inspiração);
- Qual variável é controlada (pressão, volume ou tempo).
Esses três elementos, disparo, ciclagem e controle, são a base de todos os modos ventilatórios, inclusive os mais complexos. Na prática clínica, a partir dessa lógica, surgem os três modos ventilatórios fundamentais que você precisa dominar:
- Ventilação volume controlada (VCV),
- Ventilação pressão controlada (PCV), e
- Ventilação com pressão de suporte (PSV).
Esses modos representam a espinha dorsal da ventilação mecânica. Dominar cada um deles é o mesmo que aprender as três notas básicas que permitem tocar qualquer melodia, porque todas as variações e modos avançados são apenas combinações ou ajustes derivados desses três.
Os modos ventilatórios básicos na prática: volume controlado, pressão controlada e pressão de suporte
Agora que entendemos o que é um ciclo respiratório e como o ventilador se insere nesse processo, chegou o momento de explorar como ele se comporta em cada um dos modos ventilatórios básicos. Você já sabe: todo modo define quem dispara, quem cicla e qual variável é controlada. O que muda, de modo para modo, é justamente qual dessas variáveis o ventilador mantém fixa e, portanto, qual delas o médico deve vigiar com mais atenção.
Vamos imaginar o ventilador como um “motor” que pode trabalhar com metas diferentes. Em alguns casos, ele é instruído a entregar sempre o mesmo volume de ar (volume controlado); em outros, ele é orientado a nunca ultrapassar uma certa pressão (pressão controlada); e, por fim, ele pode apenas ajudar o paciente quando ele próprio decide inspirar (pressão de suporte).
Ventilação Volume Controlada (VCV): o controle rígido do volume
A ventilação de volume controlado é, por assim dizer, o mais “matemático” dos modos ventilatórios básicos. Aqui, o médico programa um volume corrente (Vt) que o ventilador deve entregar a cada ciclo. Não importa o que aconteça com a complacência pulmonar ou a resistência das vias aéreas, o ventilador vai tentar garantir aquele volume, e ponto.
Mas é claro que, para conseguir isso, o ventilador precisa variar a pressão. Se o pulmão estiver mais rígido, ele aplicará mais pressão; se estiver mais complacente, menos.
Por isso, no modo volume controlado, a variável controlada é o volume, e a variável dependente é a pressão (e podemos configurar os alarmes até quanto de pressão consideramos seguro para que o ventilador atinja aquele volume, se for necessária maiores pressões que as configuradas nos alarmes o ventilador irá alarmar e interromper o ciclo ao atingir a pressão de segurança).
É um modo excelente quando queremos garantir uma ventilação-minuto precisa, ou seja, quando precisamos de controle rigoroso da PaCO₂, como em pacientes sob ventilação protetora, em coma metabólico ou em hipercapnia, ou com hipertensão intracraniana.
Vamos imaginar um exemplo prático. Você está em uma UTI e recebe um paciente com insuficiência respiratória aguda, sedado e com drive respiratório ausente. Você programa o ventilador para entregar 6 mL/kg de peso predito, fluxo de 40 L/min e uma frequência de 16 rpm. Isso vai gerar um volume-minuto de aproximadamente 6,0 L/min, suficiente para manter a PaCO₂ dentro do normal, desde que a relação espaço morto/volume corrente esteja adequada. Tudo parece ótimo, até que, durante o plantão, a complacência do paciente muda, o pulmão “endurece”, o pico de pressão sobe para 45 cmH₂O, e a pressão de platô atinge 35 cmH₂O. E aqui vem a reflexão que o aluno precisa fazer: o ventilador não percebe que isso é perigoso. Ele apenas cumpre ordens. Se o volume é fixo, ele continuará insuflando o mesmo volume, mesmo que as pressões se tornem lesivas.
Por isso, em VCV, o médico deve ser o guardião das pressões, especialmente a pressão de platô (Pplat) que está relacionada a barotrauma. Ela deve ser medida com pausa inspiratória e mantida, idealmente, abaixo de 30 cmH₂O. Esse é o limite de segurança que reduz o risco de barotrauma.
Outro ponto interessante é o padrão do fluxo inspiratório. No VCV, ele pode ser constante, a famosa onda “quadrada”. Isso significa que o ventilador entrega o mesmo fluxo durante toda a inspiração. Essa característica, embora previsível, pode gerar desconforto em pacientes que tentam inspirar ativamente, porque o fluxo não aumenta em resposta ao esforço. O paciente quer mais ar, mas o ventilador não entrega, e isso leva à sensação de “ar preso”, de assincronia.
Portanto, se o paciente estiver acordando e tentando respirar junto com o ventilador, talvez seja hora de mudar para um fluxo descendente ou mesmo de repensar o modo para um de luxo variável como PSV ou PCV. Mas enquanto o paciente estiver sob sedação profunda, sem drive, o VCV é uma excelente escolha. Ele garante ventilação controlada, previsível e fácil de monitorar.

Observa-se que, no modo volume controlado, a curva de fluxo pode ser quadrada (fluxo fixo) ou decrescente, conforme configuração. A curva de pressão mostra elevação progressiva, refletindo o aumento da pressão à medida que o volume corrente é entregue ao sistema respiratório.
Ventilação Pressão Controlada (PCV): segurança, conforto e sincronia
A ventilação pressão controlada muda completamente a lógica. Aqui, o médico programa uma pressão inspiratória (Pinsp) e um tempo inspiratório (Ti), e o ventilador faz o resto. A pressão é mantida constante durante o tempo inspiratório configurado, e o volume corrente resultante vai depender da complacência e da resistência do pulmão do paciente. Em outras palavras: no PCV, a variável controlada é a pressão, e a variável dependente é o volume.
Visualmente, no gráfico do ventilador, a curva de pressão é plana (constante), e a de fluxo é desacelerada, começa alta e vai diminuindo gradualmente até o fim da inspiração, podendo alcançar o zero se o tempo inspiratório for longo. Esse formato é fisiologicamente mais confortável, porque se assemelha ao padrão natural da respiração que possui fluxo variável.
Mas o PCV não serve apenas para conforto. Ele é especialmente útil em pacientes com pulmão rígido (baixa complacência), porque permite limitar as pressões máximas e reduzir o risco de lesão. Na SDRA, por exemplo, é comum priorizar o controle de pressão para proteger o pulmão, mesmo que isso signifique aceitar volumes correntes menores, é a chamada ventilação protetora baseada em pressão.
Veja este raciocínio:
Se o paciente tem uma complacência baixa, de 25 mL/cmH₂O, e você aplica uma pressão inspiratória de 15 cmH₂O acima da PEEP, o volume corrente será de 375 mL (15 × 25).
Se a complacência melhorar, o volume aumenta; se piorar, o volume cai. É por isso que, em PCV, você deve monitorar o volume corrente exalado a cada ciclo, ele é o melhor termômetro da mecânica pulmonar.
Outro aspecto interessante do PCV é a sincronia. Como o ventilador responde melhor à variação de fluxo, ele tende a acompanhar o esforço inspiratório do paciente com mais suavidade. Pacientes que estão despertando da sedação, com drive parcial, geralmente se adaptam melhor ao PCV do que ao VCV, porque o ventilador “cede” fluxo conforme a demanda de esforço, o que gera sensação de conforto. Como o objetivo do ventilador é manter uma pressão fixa, ao fazer esforço inspiratório o paciente “derruba essa pressão” fazendo o ventilador aumentar o fluxo para retornar seu valor constante.
Mas atenção: o PCV também tem suas armadilhas. Se o paciente começar a respirar muito ativamente, pode haver sobreposição de esforços, o ventilador aplica pressão positiva enquanto o paciente gera pressão negativa. Essa interação pode causar variações imprevisíveis no volume corrente (levando a volumotrauma) e até aumento da fadiga muscular. Por isso, no PCV, é essencial observar as curvas no monitor e ajustar sensibilidade e tempo inspiratório para manter a sincronia adequada. Em resumo, o PCV é um modo que oferece controle de pressão, conforto e proteção pulmonar, mas exige vigilância constante do volume corrente e da sincronia.

No modo pressão controlada (PCV), a curva de pressão apresenta um platô constante (pressão inspiratória fixa). O fluxo é variável e decrescente, reduzindo-se à medida que o pulmão se enche — padrão semelhante à respiração fisiológica. O volume aumenta progressivamente até a ciclagem, que ocorre a tempo, ou até o fluxo zerar, o que ocorrer antes.
Ventilação com Pressão de Suporte (PSV): o modo da respiração fisiológica
Chegamos ao terceiro dos modos ventilatórios básicos, o PSV (Pressure Support Ventilation). Se o VCV é o modo “matemático” e o PCV é o modo “controlado”, o PSV é o modo colaborativo. Na PSV, o ventilador não comanda a respiração. Ele apenas assiste o paciente quando este decide inspirar. Cada ciclo é disparado pelo esforço do paciente e ciclado quando o fluxo inspiratório cai abaixo de um percentual pré-definido (geralmente 25% do pico). Isso significa que o paciente decide quando inspirar, quanto tempo inspirar e com que frequência. O ventilador apenas entra para facilitar o trabalho, oferecendo uma pressão positiva de suporte (PS) que ajuda o ar a fluir e reduz o esforço dos músculos respiratórios.
Esse modo é o mais fisiológico, porque respeita o comando neural e permite que o paciente mantenha o controle do próprio ritmo respiratório. É também o modo mais usado durante o desmame ventilatório, o processo de retirada progressiva do suporte mecânico. Na prática, ajusta-se a pressão de suporte de forma a obter volumes correntes confortáveis (geralmente 6–8 mL/kg) com um esforço mínimo. A PEEP continua sendo ajustada para evitar colapso alveolar, e a sensibilidade é regulada para que o ventilador reconheça facilmente o esforço inspiratório do paciente.
Por exemplo, imagine um paciente que está acordando, respirando, mas ainda cansado. Ele tenta inspirar, e o ventilador detecta uma queda de 1 cmH₂O na pressão, imediatamente, o ventilador oferece uma pressão de suporte de 10 cmH₂O, que ajuda a insuflar o ar. O paciente sente conforto, o esforço diminui, e o volume corrente é adequado. Quando o fluxo inspiratório cai para menos de 25% do pico, o ventilador entende que a inspiração acabou e abre a válvula expiratória.
Esse é o ciclo da PSV: disparo pelo paciente, limitação por pressão e ciclagem por fluxo. Mas há cuidados importantes. A sensibilidade de disparo deve ser ajustada com equilíbrio: se for muito baixa, o ventilador dispara sozinho, gerando hiperventilação e assincronia; se for muito alta, o paciente precisa fazer esforço demais para iniciar o ciclo. Por isso, valores entre -1 e -2 cmH₂O (pressão) ou 1-2 L/min (fluxo) costumam ser ideais.
Outro ponto de atenção é o nível de suporte. Pressões muito altas tornam o paciente passivo e dificultam o desmame; pressões muito baixas podem gerar fadiga e hipoventilação. Ajustar a PS exige olhar clínico e sensibilidade, é encontrar o ponto em que o paciente participa, mas não sofre. O percentual do pico de fluxo para ciclagem também deve ser ajustado de acordo com o tempo do esforço inspiratório do paciente, quanto menor o Cycling off maior o tempo inspiratório e vice versa.
Entendendo os ciclos controlados e assistidos dentro dos modos ventilatórios básicos
Agora que você conhece os três modos, vale aprofundar um detalhe essencial: o tipo de ciclo que ocorre em cada um deles. Um ciclo controlado é aquele em que o ventilador faz tudo: dispara, insufla, cicla e exala o ar. O paciente é completamente passivo. Isso é comum em situações de sedação profunda, bloqueio neuromuscular ou ausência total de drive respiratório.
Já um ciclo assistido é aquele em que o paciente participa, ele dispara a inspiração, e o ventilador o ajuda, completando todo o resto do trabalho. Esse tipo de ciclo ocorre em PCV e VCV, e é a base da ventilação fisiológica assistida.
Em termos práticos, podemos dizer que:
- O VCV controlado é útil para pacientes totalmente dependentes do ventilador;
- O PCV assistido oferece conforto e sincronia a pacientes parcialmente despertos;
- O PSV representa a fase de recuperação, em que o paciente retoma o controle.
Essa progressão reflete o caminho natural da terapia intensiva: do controle total à autonomia. Mas lembre-se que isso nunca pode ser considerado uma regra absoluta afinal os modos PCV e VCV podem ser usados a qualquer momento em pacientes que recebam ventilação controlada, quem determina qual modo será o caso individual do paciente e a experiência da equipe, não havendo vantagens de um sobre o outro em termos de desfechos duros.
Como pensar na prática: escolhendo entre os modos ventilatórios básicos à beira do leito
Chegamos ao ponto em que teoria e prática se encontram. Você já sabe o que é um ciclo respiratório, como o ventilador participa de cada fase e como funcionam os três modos ventilatórios básicos, VCV, PCV e PSV. Mas, no dia a dia da UTI, a grande questão que se impõe é: qual modo usar em cada situação?
Essa é uma dúvida legítima e muito comum. Afinal, o ventilador é uma ferramenta versátil, e cada modo pode ser vantajoso dependendo do momento clínico. Não existe um modo “melhor” de forma absoluta, existe o modo mais adequado para o objetivo terapêutico e para o estado fisiológico do paciente.
Vamos pensar juntos em alguns cenários típicos.
Imagine que você está diante de um paciente recém-intubado por insuficiência respiratória aguda grave. Ele está profundamente sedado e, possivelmente, sem drive pela sedação ou com drogas bloqueadoras neuromusculares. Nesse contexto, o paciente não participa da respiração. O objetivo inicial é garantir ventilação alveolar controlada, evitando hipercapnia e mantendo oxigenação adequada. Aqui, o modo volume controlado (VCV) é ideal (mas, também poderia ser o PCV de acordo com a experiência da equipe e o caso do paciente).
Mas, por quê VCV? Porque ele oferece previsibilidade. Cada ciclo entrega exatamente o volume corrente programado, e o médico tem controle direto sobre o volume-minuto. É o modo da estabilidade e do controle. Mas imagine que, dois dias depois, esse mesmo paciente começa a despertar. O drive respiratório retorna, e ele passa a tentar inspirar. Agora o VCV, que antes era perfeito, começa a gerar desconforto. O paciente tenta puxar o ar, mas o fluxo é fixo, e o ventilador insiste em manter seu ritmo. Você percebe as curvas no monitor com concavidades na pressão, esforços não reconhecidos, assincronia evidente. O paciente está “lutando” contra a máquina.
Neste ponto, vale mudar a estratégia. O modo pressão controlada (PCV) pode ser mais apropriado. Ele ainda oferece suporte ventilatório controlado, mas com um padrão de fluxo mais adaptável à demanda do paciente. O ventilador aplica uma pressão fixa, mas o fluxo varia conforme o esforço inspiratório. O resultado é uma respiração mais confortável, sincronizada e fisiológica.
Com o passar dos dias, o paciente melhora, o drive se fortalece, e a ventilação torna-se predominantemente espontânea. Agora, o modo pressão de suporte (PSV) é o passo seguinte. Nesse estágio, o ventilador não precisa mais “decidir” quando inspirar ou ciclar. Ele apenas ajuda o paciente, fornecendo uma pressão de suporte que compensa a resistência do tubo e do circuito. É o modo da autonomia progressiva.
Essa sequência — VCV → PCV → PSV — não é uma regra rígida, mas reflete o caminho fisiológico natural de recuperação da função respiratória: do controle total à independência.
Comparando os modos ventilatórios básicos: vantagens, limitações e escolhas
Para fixar o raciocínio, vale revisitar cada modo à luz da prática clínica.
No volume controlado (VCV), o foco é o controle preciso do volume e do volume-minuto. Ele é excelente para situações em que o paciente precisa de ventilação mandatória, como na fase inicial de insuficiência respiratória grave ou sob sedação profunda. Mas é um modo que não tolera complacência variável: se o pulmão endurece, a pressão sobe. Por isso, ele requer monitoramento constante das pressões e ajustes frequentes do volume e do fluxo.
O modo pressão controlada (PCV), por outro lado, é o modo da proteção e do conforto. A pressão é limitada, o fluxo é adaptável, e a sincronia costuma ser melhor. É uma boa escolha quando se quer proteger o pulmão de pressões excessivas, como na SDRA, em pacientes com complacência muito baixa ou em situações de transição do coma à vigília. No entanto, o volume corrente é variável, e se o paciente se cansa, o volume cai. O risco aqui é a hipoventilação silenciosa.
Já o pressão de suporte (PSV) é o modo do desmame e do conforto máximo. Ele permite que o paciente respire com liberdade, ajustando naturalmente seu ritmo e volume. Mas esse modo exige drive respiratório íntegro e musculatura funcional. Se o paciente está fatigado ou sedado, o PSV não garante ventilação adequada. Outro risco é o uso excessivo de pressão de suporte, o paciente parece confortável, mas não está realmente exercitando os músculos respiratórios, prolongando a dependência ventilatória.
Essas nuances mostram por que dominar os modos ventilatórios básicos é mais importante do que decorar modos avançados. Quem compreende as bases, disparo, ciclagem e variável controlada, é capaz de entender qualquer modo derivado, porque todos se fundamentam nesses princípios.
Ciclos assistidos e controlados: a transição natural da dependência à autonomia
Entender os modos ventilatórios básicos também é entender a dinâmica da reabilitação ventilatória. Quando o paciente é intubado, frequentemente está em ciclo controlado: o ventilador assume tudo, e o paciente é passivo. Isso é necessário no início, mas não pode durar para sempre. Com o tempo, o objetivo é passar para ciclos assistidos, nos quais o ventilador responde ao esforço inspiratório do paciente. Esse é o caminho natural rumo ao desmame.
Em VCV, o ventilador dispara por tempo (controlado) ou por pressão ou fluxo (quando assiste ao paciente) e cicla por volume.
Em PCV, o ventilador dispara por tempo (controlado) ou por pressão e fluxo (pelo esforço do paciente), mas mantém pressão e tempo inspiratório fixos, clicando após atingir o tempo inspiratório configurado.
Em PSV, o paciente comanda tudo, o disparo, o tempo e a ciclagem, com o ventilador apenas complementando o esforço com pressão positiva.
Essa transição é como uma escada: quanto mais ativa estiver a participação do paciente, mais fisiológica e segura é a respiração.
Os erros mais comuns do iniciante em ventilação mecânica
Quem está começando a lidar com ventilação mecânica costuma cometer alguns equívocos clássicos e é importante conhecê-los para evitá-los.
O primeiro erro é confundir modos com estratégias.
VCV, PCV e PSV são modos, ou seja, maneiras de o ventilador se comportar. Estratégias ventilatórias, como “ventilação protetora” ou “ventilação com hipercapnia permissiva”, podem ser aplicadas dentro de qualquer modo. Portanto, o modo é a ferramenta; a estratégia é o plano de ação.
Outro erro comum é não observar as curvas.
O ventilador não fala, mas mostra tudo nas suas curvas de pressão, volume e fluxo. Ali estão as pistas sobre a sincronia, a complacência, o esforço e até o conforto do paciente. Saber “ler” essas curvas é como ouvir o paciente respirar através da máquina.
Um terceiro erro é não ajustar a sensibilidade corretamente.
Triggers muito sensíveis fazem o ventilador disparar sozinho; triggers pouco sensíveis obrigam o paciente a se esforçar demais. O ideal é ajustar de modo que o ventilador responda ao menor esforço, mas sem auto-ciclar.
E talvez o erro mais sutil, mas mais grave, seja esquecer que a ventilação é dinâmica.
Um ajuste que era perfeito às 8h pode ser inadequado às 14h, porque a mecânica pulmonar muda. A complacência melhora, o drive aumenta, a secreção muda, o tubo acumula resistência, tudo isso muda a relação entre paciente e ventilador. Por isso, o profissional precisa estar constantemente observando, interpretando e reajustando.
A arte do ajuste fino: tempo, fluxo, sensibilidade e PEEP
Dentro de cada modo, existem detalhes de ajuste que fazem toda diferença.
O tempo inspiratório (Ti) determina a duração da inspiração. Em VCV, ele é consequência do volume e do fluxo; em PCV, é programado diretamente; em PSV, depende do paciente e do Cycling off configurado. Um Ti muito curto pode comprometer a oxigenação e gerar ciclagem precoce ou mesmo duplo disparo e empilhamento de volume; um Ti muito longo pode gerar hiperinsuflação dinâmica ou gerar ciclagem tardia com recrutamento forçado de músculos expiratórios pelo paciente.
O fluxo inspiratório, por sua vez, influencia o conforto e o padrão da curva de pressão. Fluxos mais altos reduzem o tempo inspiratório, mas podem gerar picos de pressão; fluxos mais baixos alongam a inspiração, mas podem causar sensação de “ar preso”.
A sensibilidade de disparo deve ser ajustada para garantir sincronia. Se o ventilador dispara antes do esforço real, há autociclagem; se dispara tarde demais, o paciente sente falta de ar. E, claro, há a PEEP, a pressão positiva ao final da expiração, que evita o colapso alveolar e melhora a oxigenação, mas também se mal ajustada pode levar a aumento do espaço morto, prejuízo hemodinâmico. É uma ferramenta poderosa, que deve ser usada com critério. Esses detalhes são o que diferenciam o amador em ventilação mecânica do profissional experiente. O primeiro ajusta números; o segundo entende o que cada número significa no contexto fisiológico.
Conclusão: compreender os modos ventilatórios básicos é dominar a lógica da ventilação mecânica
Ao longo deste texto, você percorreu o caminho que todo médico interessado em ventilação mecânica precisa trilhar: da fisiologia à prática, do ciclo respiratório ao ajuste do ventilador, da teoria ao raciocínio clínico.
Perceba como tudo se conecta. O ciclo respiratório natural, disparo, inspiração, ciclagem, expiração, é a matriz de tudo. Os modos ventilatórios básicos, VCV, PCV e PSV, são apenas diferentes formas de o ventilador interferir nesse ciclo. Cada modo tem sua lógica, sua aplicação e sua beleza.
O VCV é o modo do controle e da previsibilidade.
O PCV é o modo da proteção e da sincronia.
O PSV é o modo do desmame e da liberdade.
Saber escolher entre eles é saber ler o que o paciente precisa naquele momento. E esse é o verdadeiro sentido de dominar ventilação mecânica: não é apertar botões, mas pensar fisiologicamente. Por isso, quando estiver diante de um ventilador, lembre-se: ele não é o inimigo, nem o protagonista. Ele é um aliado silencioso, que espera suas ordens. Cabe a você entender o que ele está dizendo, e o que o pulmão está pedindo.


