Quando a gente fala em intubação orotraqueal, a primeira coisa que vem à mente de um médico recém-formado é medo. É um dos procedimentos mais temidos no início da carreira, tanto que muitos evitam dar plantões em pronto-socorro ou UTI porque sabem que podem se deparar com a necessidade de intubar. E há um outro problema: mesmo aqueles que aprendem a intubar muitas vezes ficam com a visão equivocada de que intubação é simplesmente “colocar o tubo na traqueia”.
Na prática, não é isso. Intubar um paciente não significa apenas posicionar uma cânula na traqueia. Significa tomar a decisão de partir para suporte ventilatório invasivo porque você acredita que aquilo vai aumentar as chances de sobrevivência dele. E isso pode ser por vários motivos: insuficiência respiratória aguda grave, obstrução de via aérea alta, proteção contra broncoaspiração em um paciente com múltiplas disfunções orgânicas, ou ainda em um rebaixamento profundo de consciência, com perda previsível da proteção de via aérea.
Quando você intuba, está dizendo: “eu vou colocar esse paciente em uma condição em que ele tenha mais chance de sair vivo da doença aguda que está enfrentando”. Só que não basta colocar o tubo — é preciso intubar sem expor o paciente a longos períodos de hipóxia, sem induzir hipotensão, sem causar trauma de via aérea, sem induzir uma parada cardiorrespiratória iatrogênica. Esse é o verdadeiro objetivo da intubação.
Para isso, utilizamos a técnica da intubação de sequência rápida (ISR), estruturada em sete P’s. E aqui eu quero explicar cada um desses passos de forma detalhada, como quem está na beira do leito, porque é assim que faz sentido aprender.
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Primeiro P: Preparação
O primeiro passo é a preparação, e aqui está um ponto crucial: você não pode ser pego de calças arriadas. O material tem que estar pronto antes de o paciente chegar, de preferência já checado no início do seu plantão. Não é na hora da emergência que você vai descobrir que a lâmpada do laringoscópio queimou ou que o cuff do tubo está furado.
Então, pense assim: laringoscópios prontos, com cabos testados, lâminas curvas número 3, 4 e 5 à disposição, e também lâminas retas de Miller, porque às vezes podem ser necessárias. Teste a lâmpada, teste a bateria. Isso já deveria estar feito antes do plantão começar.
Na hora do tubo, para homens adultos, geralmente usamos 8,0; 8,5 ou 9,0. Para mulheres, 7,5; 8,0 ou 8,5. Mas nunca tenha só um tubo. Sempre deixe mais de um preparado. E, antes de usar, teste o balonete: infle para ver se não está furado, depois desinsufle totalmente, porque se deixar ar dentro ele pode travar na hora de avançar.
Tenha também o dispositivo bolsa-válvula-máscara com reservatório, funcionando. Tenha cânulas de Guedel de vários tamanhos. Se possível, deixe um bougie disponível, porque ele muda a taxa de sucesso quando a visualização não é ideal. Tenha coxins para posicionamento occipital e interescapular. Se o serviço permitir, tenha videolaringoscópio pronto, e máscaras laríngeas número 3, 4 e 5.
E nunca se esqueça: se há suspeita de via aérea difícil, o material de cricotireoidostomia precisa estar pronto. Esse é um procedimento que só fazemos em emergência, então não dá tempo de improvisar kit.
Além disso, o paciente já deve estar monitorizado: cardioscopia, oximetria de pulso, pressão arterial. Se o paciente chegou instável, hipovolêmico, não espere: faça bolus de volume se julgar fluidorresponsivo, inicie norepinefrina precocemente, mantenha PAM em torno de 65 mmHg.
E, finalmente, as drogas. Elas precisam estar pré-diluídas, aspiradas nas seringas e identificadas. Você não vai querer perder tempo preparando midazolam no meio da intubação. Sempre prepare um pouco mais do que a dose calculada, porque pode precisar.

Tenha sempre disponível todo o material necessário. Melhor deixar separado e não precisar, do que precisar e sair correndo que nem louco atrás na hora H enquanto a saturação de seu paciente despenca no abismo.
Segundo P: Pré-oxigenação
A pré-oxigenação é frequentemente negligenciada, mas é uma das etapas mais importantes. O que você quer aqui é substituir o ar que está nos alvéolos por oxigênio puro, criando uma reserva que vai manter o paciente saturando durante o período de apneia após a indução e a paralisia.
Se você usar uma máscara não reinalante bem ajustada, com fluxo de oxigênio a 15 L/min ou em flush rate, já ajuda. O paciente deve estar em decúbito a 45°. Mas o ideal é usar o bolsa-válvula-máscara com reservatório, bem acoplado ao rosto, vedação com a técnica do “C e E”, usando duas mãos, e deixar o paciente respirando espontaneamente.
Esse detalhe é importante: não é para apertar a bolsa, porque isso seria ventilação. A pré-oxigenação é deixar o paciente respirando espontaneamente oxigênio quase puro. O objetivo é manter a saturação acima de 95% por pelo menos 3 minutos. Isso reduz muito o risco de dessaturação grave durante o procedimento.

Técnicas de vedação da máscara facial, do C e E na primeira foto, técnica das duas mãos na segunda foto.
Terceiro P: Pré-tratamento
O pré-tratamento envolve drogas que atenuam a resposta simpática à laringoscopia. Essa resposta — taquicardia e hipertensão — pode ser deletéria em alguns pacientes, como no AVE hemorrágico, na síndrome coronariana aguda ou no edema agudo de pulmão hipertensivo.
Nesses casos, você pode usar fentanil, 2 a 3 µg/kg, geralmente mais próximo de 2 µg/kg. O fentanil costuma vir em ampolas de 50 µg/ml. Se for uma ampola de 2 ml, ela tem 100 µg. Para um paciente de 70 kg, 2 µg/kg dá 140 µg, ou seja, aproximadamente 3 ml. É aplicado lentamente, em cerca de 1 minuto, para evitar rigidez torácica.
Outra opção é a lidocaína, 1,5 mg/kg. Ampolas de 20 mg/ml. Em um paciente de 70 kg, isso dá 105 mg, o que equivale a cerca de 5 ml. Também aplicada lentamente.
Mas isso não é obrigatório. Aliás, em pacientes com choque séptico grave, TEP maciço ou choque cardiogênico, usar simpaticolítico é até prejudicial, porque a resposta simpática ajuda a manter a pressão. Nesse caso, não use.

As ampolas de fentanil costumam ter concentração de 50 mcg/ml. Não se confundam com a concentração de 0,0785 mg/ml escrita no rótulo faz referência ao citrato de fentanila, que corresponde a 0,05 mg/ml (50 mcg/ml) de fentanila base especificado logo abaixo do rótulo principal.
Quarto P: Paralisia com indução
Apesar do nome, primeiro fazemos a indução, depois a paralisia.
Sedativos
O midazolam é a droga mais comum, porque é barata e amplamente disponível. Mas, na verdade, é a pior opção na maioria dos casos. Ele tem início lento, 60 a 90 segundos, tempo de ação longo, 15 a 30 minutos, e causa bastante hipotensão e depressão ventilatória. Além disso, é classe D na gravidez. A única situação em que ele é realmente preferido é no status epilepticus, por causa do efeito anticonvulsivante. Fora isso, se usar, geralmente é por falta de opção. A dose é de 0,3 mg/kg. Ampolas com 5 mg/ml. Em um paciente de 70 kg, dá 21 mg, o que equivale a cerca de 4 ml.

As ampolas de midazolam tem concentração de 5mg/ml, entre os indutores para ISR tem início de ação mais tardio e maior duração de seu efeito, além de efeito hipotensor e depressor do drive ventilatório relevante.
O etomidato é uma droga muito interessante porque é cardioestável. Não causa depressão miocárdica nem queda da resistência vascular periférica, então não induz hipotensão. Tem início rápido, 15 a 45 segundos, e tempo de ação curto, 3 a 12 minutos. A dose é de 0,3 mg/kg. As ampolas vêm com 2 mg/ml, geralmente 10 ml, totalizando 20 mg. Em um paciente de 70 kg, a dose é 21 mg, ou seja, uma ampola inteira. É uma ótima opção em instabilidade hemodinâmica. A controvérsia está no fato de causar supressão adrenal transitória. Em pacientes sépticos, alguns estudos sugerem aumento da mortalidade, então é preciso avaliar o contexto.

O etomidato é um indutor mais estável, sendo uma excelente escolha no choque cardiogênico e obstrutivo.
A ketamina também é uma excelente opção. Tem efeito simpaticomimético, podendo até aumentar a pressão arterial e a frequência cardíaca. Além disso, é um potente broncodilatador, sendo muito útil em pacientes com asma grave ou DPOC descompensada. Tem também efeito analgésico, dissociativo, preserva a ventilação espontânea e a estabilidade hemodinâmica. A dose é de 1 a 2 mg/kg EV, com início em 45 a 60 segundos e tempo de ação de 10 a 20 minutos. Se precisar usar intramuscular, a dose é 5 a 10 mg/kg, com início em 3 a 4 minutos. Pode causar reações de emergência na recuperação, como alucinações, mas nada que inviabilize o uso.

A cetamina tem potente efeito broncodilatador, além de ação simpaticomimética, sendo uma boa opção em pacientes instáveis hemodinamicamente. É a droga de escolha na intubação de sequência prolongada.
O propofol é outro sedativo usado, sendo a primeira escolha em grávidas. Tem início rápido, 15 a 45 segundos, e tempo de ação curto, 5 a 10 minutos. A dose é de 1,5 a 2 mg/kg. Tem efeito anticonvulsivante e antiemético. Mas o problema é que causa vasodilatação e depressão miocárdica, podendo induzir hipotensão. Existe um mito de que não pode ser usado em alérgicos a ovo, mas isso não é verdadeiro.
Aqui cabe uma observação importante: em pacientes já muito rebaixados, como Glasgow 4 ou 5, não é necessário usar a dose completa. Doses reduzidas já são suficientes, porque o SNC já está deprimido.

O propofol, dentro os hipnóticos , é considerado o de maior segurança em pacientes grávidas.
Bloqueadores neuromusculares
O bloqueio neuromuscular é fundamental. Há quem ainda tenha medo de usar, achando que vai deixar o paciente em apnéia sem conseguir ventilar se não conseguir intubar. Mas isso é um mito. Na verdade, com bloqueio neuromuscular, é até mais fácil ventilar o paciente com bolsa-válvula-máscara, porque os músculos estão relaxados.
A droga de escolha é a succinilcolina, um bloqueador despolarizante. Dose de 1,5 mg/kg EV. O início é em 45 segundos e o tempo de ação é de 6 a 10 minutos. As ampolas geralmente têm 100 mg ou 500 mg, que precisam ser diluídos em 10 ml. Para um paciente de 70 kg, a dose é de 105mg, basicamente uma ampola.
As contraindicações incluem hipertermia maligna, distrofias musculares, rabdomiólise, queimaduras extensas, lesão medular aguda, síndrome de Guillain-Barré, doenças neurodegenerativas com comprometimento motor e hipercalemia grave. O motivo é que, por ser despolarizante, a succinilcolina leva à saída maciça de potássio das fibras musculares, o que pode causar hipercalemia fatal nesses contextos.

Na maioria dos serviços conhecem esse bloqueador como “Quelicin” ou suxametônio, trata-se de um pó em ampolas de 100 e 500 mg. A ampola da imagem diluímos em 10 ml de SF 0,9%, cada ml tem portanto 10 mg.
Se houver contraindicação, a opção é o rocurônio, um bloqueador não despolarizante. A dose para sequência rápida é 1,2 mg/kg, porque essa dose proporciona condições ideais de intubação em 60 a 90 segundos. As ampolas geralmente têm 50 mg em 5 ml, ou seja, 10 mg/ml. Em um paciente de 70 kg, isso dá 84 mg, ou seja, cerca de 8 ml. O início é rápido, mas a duração é bem mais longa: 50 minutos ou mais, podendo chegar a 150 minutos dependendo da dose. A vantagem é que pode ser revertido com sugamadex ou neostigmina, quando disponível.
Quinto P: Posicionamento
O posicionamento é uma das etapas mais negligenciadas e, paradoxalmente, uma das mais importantes.
Em pacientes não obesos, basta colocar um coxim occipital e fazer a extensão cervical, a menos que haja suspeita de trauma raquimedular. Já em pacientes obesos mórbidos, o ideal é o posicionamento em rampa: um coxim menor sob a região interescapular e um maior no occipital, de modo a alinhar o meato auditivo externo com o manúbrio esternal. Esse detalhe muda completamente a visualização da via aérea.
Sexto P: Prova de posicionamento
Aqui é onde você vai realmente entrar com o laringoscópio. Ele deve ser segurado com a mão esquerda, de preferência com pegada na transição entre o cabo e a lâmina. Você abre a boca do paciente com a mão direita, tracionando a mandíbula com pegada em pinça digital para frente e para cima, e ao mesmo tempo esse movimento já hiperestende a cervical.
A lâmina é introduzida pelo lado direito da boca, rechaçando a língua para a esquerda e abrindo o campo de visão. Você vai avançando gradualmente, até visualizar a epiglote. Se passar demais, recue devagar até ela cair no seu campo de visão.
Uma vez localizada, faça uma leve tração para frente e para cima, nunca em alavanca. Pode usar manobra bimanual da traqueia para otimizar a visão. Quando tiver uma boa visualização, introduza o bougie ou o tubo, vendo passar pelas cordas vocais. Em seguida, retire o laringoscópio, insufle o cuff e fixe o tubo, geralmente na marca de 22 a 24 cm.
A confirmação da posição deve ser feita preferencialmente com capnografia quantitativa em onda, que é o padrão ouro. Se não houver, use um capnômetro colorimétrico ou, na falta, ausculte o epigástrio (que deve estar silencioso) e os dois hemitórax (que devem expandir bilateralmente).
Sétimo P: Pós-intubação
O tubo entrou, mas o trabalho não acabou. Agora é hora de garantir o suporte.
Conecte o paciente ao ventilador mecânico. Eu costumo iniciar com PCV, mas pode ser VCV, depende da preferência e do contexto. Ajuste os parâmetros de acordo com a condição clínica.
Defina a sedoanalgesia contínua: pode ser fentanil, midazolam, propofol ou ketamina. O etomidato não é usado em infusão contínua, apenas em bolus.
Conclusão prática
A intubação orotraqueal é um procedimento que exige muito mais do que técnica. Exige raciocínio clínico, preparo meticuloso, conhecimento das drogas, das doses, das contraindicações e, principalmente, execução rápida e segura.
Dominar os sete P’s da sequência rápida não significa seguir uma receita de bolo, mas sim ter uma estrutura mental que permita intubar no menor tempo possível, com o menor risco possível e na maior chance de sucesso já na primeira tentativa.
No fim das contas, não queremos apenas “passar o tubo”. Queremos manter a vida, reduzir complicações e aumentar as chances do paciente sair vivo daquela emergência.
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